sexta-feira, 31 de agosto de 2007

PARABÉNS SÉRGIO

Sérgio Godinho (Porto, 31 Agosto de 1945)

Mudemos de Assunto

Andas aí a partir corações
como quem parte um baralho de cartas
cartas de amor
escrevi-te eu tantas
às tantas, aos poucos
às tantas, aos poucos
eu fui percebendo
às tantas eu lá fui tacteando
às cegas eu lá fui conseguindo
às cegas eu lá fui abrindo os olhos

E nos teus olhos como espelhos partidos
quis inventar uma outra narrativa
até que um ai me chegou aos ouvidos
e era só eu a vogar à deriva
e um animal sempre foge do fogo
e eu mal gritei: fogo!
mal eu gritei: água!
que morro de sede
achei-me encostado à parede
gritando: Livrai-me da sede!
e o mar inteiro entrou na minha casa

E nos teus olhos inundados do mar
eu naveguei contra minha vontade
mas deixa lá, que este barco a viajar
há-de chegar à gare da sua cidade
e ao desembarque a terra será mais firme
há quem afirme
há quem assegure
que é depois da vida
que a gente encontra a paz prometida
por mim marquei-lhe encontro na vida
marquei-lhe encontro ao fim da tempestade

Da tempestade, o que se teve em comum
é aquilo que nos separa depois
e os barcos passam a ser um e um
onde uma vez quiseram quase ser dois
e a tempestade deixa o mar encrespado
por isso cuidado
mesmo muito cuidado
que é frágil o pano
que veste as velas do desengano
que nos empurra em novo oceano
frágil e resistente ao mesmo tempo

Mas isto é um canto
e não um lamento
já disse o que sinto
agora façamos o ponto
e mudemos de assunto
sim?
Sérgio Godinho
"Campolide", 1979

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

CHATTERTON


Seguindo a dica do Sniqper, fui dar com este vídeo do Seu Jorge com Ana Carolina. Já conhecia o trabalho deste excelente músico e compositor brasileiro, já o vi tocar ao vivo.
Quanto a Ana Carolina também conheço algumas coisitas, em especial a colaboração com o português Rodrigo Leão. O que eu não conhecia era este excelente espectáculo ao vivo dos dois músicos brasileiros. Aqui está uma grande versão da canção de Serge Gainsbourg


"Sangue, Sangue,
Sangue

Chatterton, suicidou
Kurt Cobain, suicidou
Getúlio Vargas, suicidou
Nietzsche, enloqueceu
E eu, não vou nada bem

Chatterton, suicidou
Cléopatra, suicidou
Isócrates, suicidou
Goya, enloqueceu
E eu, não vou nada nada bem

Chatterton, suicidou
Marc-Antoine, suicidou
Cleópatra, suicidou
Schumann, enloqueceu
E eu, puta que pariu, não vou nada nada bem

Puta que pariiiiiiiiiiiiiiiiuuuu!!!"


Morte de Chatterton, (1856) por Henry Wallis (1830,1916)

Letra Original

Chatterton suicidé
Hannibal suicidé
Démosthène suicidé
Nietzsche fou à lier
Quant à moi
Quant à moi
Ça ne va plus très bien

Chatterton suicidé
Cléopatre suicidé
Isocrate suicidé
Goya fou à lier
Quant à moi
Quant à moi
Ça ne va plus très bien

Chatterton suicidé
Marc-Antoine suicidé
Van Gogh suicidé
Schumann fou à lier
Quant à moi
Quant à moi
Ça ne va plus très bien

Serge Gaisnbourg

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

VALSINHA


Um dia ele chegou tão diferente
Do seu jeito de sempre chegar
Olhou-a dum jeito muito mais quente
Do que sempre costumava olhar
E não maldisse a vida tanto
Quanto era seu jeito de sempre falar
E nem deixou-a só num canto
Pra seu grande espanto convidou-a pra dançar

E então ela se fez bonita
Como há muito tempo não queria ousar
Com seu vestido decotado
Cheirando a guardado de tanto esperar
Depois o dois deram-se os braços
Como há muito tempo não se usava dar
E cheios de ternura e graça foram para a praça
E começaram a se abraçar

E ali dançaram tanta dança
Que a vizinhanca toda despertou
E foi tanta felicidade
Que toda cidade enfim se iluminou
E foram tantos beijos loucos
Tantos gritos roucos como não se ouvia mais
Que o mundo compreendeu
E o dia amanheceu em paz

Chico Buarque, Vinícius de Moraes
Imagem: La Danza de Los Amantes , Jacqueline Kleine

CERTIFICADO

Olá meus amigos. Estou de volta e com um prémio atribuído por três amigas a quem desde já agradeço. A Gasolina, a Maria Faia e a SoMomentos decidiram certificar que este blogue está entre os melhores momentos virtuais. Mais uma vez obrigado.
Recebi o certificado destas três pessoas, se falhei alguém protestem nos comentários que eu corrijo a situação.
Agora os meus certificados, estão todos na minha lista de blogues aqui ao lado.
Já recebi um protesto, pelos vistos voltei a descurar a minha amiga Avelaneira Florida, peço desculpa e deixo também o meu agradecimento.

domingo, 26 de agosto de 2007

QUAND ON N'A QUE L'AMOUR

Dorothy Tennant (1855-1926)
L'Amour Blesse 1895


Quand on n'a que l'amour
A s'offrir en partage
Au jour du grand voyage
Qu'est notre grand amour
Quand on n'a que l'amour
Mon amour toi et moi
Pour qu'éclatent de joie
Chaque heure et chaque jour
Quand on n'a que l'amour
Pour vivre nos promesses
Sans nulle autre richesse
Que d'y croire toujours
Quand on n'a que l'amour
Pour meubler de merveilles
Et couvrir de soleil
La laideur des faubourgs
Quand on n'a que l'amour
Pour unique raison
Pour unique chanson
Et unique secours
Quand on n'a que l'amour
Pour habiller matin
Pauvres et malandrins
De manteaux de velours
Quand on n'a que l'amour
A offrir en prière
Pour les maux de la terre
En simple troubadour
Quand on n'a que l'amour
A offrir à ceux-là
Dont l'unique combat
Est de chercher le jour
Quand on n'a que l'amour
Pour tracer un chemin
Et forcer le destin
A chaque carrefour
Quand on n'a que l'amour
Pour parler aux canons
Et rien qu'une chanson
Pour convaincre un tambour
Alors sans avoir rien
Que la force d'aimer
Nous aurons dans nos mains
Amis le monde entier.

Jacques Brel

sábado, 25 de agosto de 2007

EDUARDO PRADO COELHO

"Um homem que marcou a cultura portuguesa e abriu caminho à mudança e vanguarda"
Manuel Alegre

ÁFRICA ESCULTURAL



África
da nudez plangente
dos braços nus dos embondeiros, silhuetando na noite
áfrica
a contemplar embevecida a imensidão dos oceanos
na lembrança trágica dos filhos deportados
áfrica
dos homens bêbados
arrastando os pés descalços
na terra sequiosa de vida
da mulher nua que se entrega para se achar
das barrigas dos meninos
barrigudos de fome
áfrica
do ritmo quente
do batuque e da farra
perdidos na noite
do canto triste dos poetas
dos seus poemas
escritos com sangue e suor de gente

acredito em ti
como a áfrica escultural dos homens
esculpindo a vida
na pedra da vida

Domingos Florentino

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

TREVO


Já vou com algum atraso mas aproveito agora para agradecer à Um Momento por me agraciar com um Trevo da Sorte. Como já disse, agradeço pelo prémio e gostaria de também de contemplar todos os amigos que visito e também todos os outros que costumam parar por aqui. Aí vai um trevinho de boa sorte para todos!
Minha amiga Avelaneira Florida, foi uma falha grave, da qual me penitencio. Peço imensa desculpa e aqui fica também o meu agradecimento pelo teu trevinho.

FILMES PARA REFLECTIR



quinta-feira, 23 de agosto de 2007

A FÚRIA DA NATUREZA

A fraqueza do ser humano perante as forças da natureza. Infelizmente são sempre os mais fracos que sofrem.

O Furacão Dean assolou as Caraíbas e a costa mexicana. Por cá as notícias preocuparam-se com os turistas portugueses. Esses podem sempre apanhar um avião ou mudar para um hotel mais seguro.
E as populações?
Quase sempre gente pobre que não pode fugir, quem fala deles?

Visto aqui: A Minha Matilde

POESIA E PINTURA


CREPÚSCULO

Teus olhos, borboletas de ouro, ardentes
Borboletas de sol, de asas magoadas,
Pousam nos meus, suaves e cansadas
Como em dois lírios roxos e dolentes…

E os lírios fecham… Meu amor não sentes?
Minha boca tem rosas desmaiadas,
E a minhas pobres mãos são maceradas
Como vagas saudades de doentes…

O silêncio abre as mãos… entorna rosas…
Andam no ar carícias vaporosas
Como pálidas sedas, arrastando…

E a tua boca rubra ao pé da minha
É na suavidade da tardinha.
Um coração ardente palpitando…
RUÍNAS

Se é sempre Outono o rir das primaveras,
Castelos, um a um, deixa-os cair...
Que a vida é um constante derruir
De palácios do Reino das Quimeras!

E deixa sobre as ruínas crescer heras.
Deixa-as beijar as pedras e florir!
Que a vida é um contínuo destruir
De palácios do Reino das Quimeras!

Deixa tombar meus rútilos castelos!
Tenho ainda mais sonhos para erguê-los
Mais altos do que as águias pelo ar!

Sonhos que tombam! Derrocada louca!
São como os beijos duma linda boca!
Sonhos!... Deixa-os tombar... deixa-os tombar...

Poemas: Florbela Espanca
Livro de Soror saudade, 1923
Imagens: Nancy Margolis

PAPOILAS EM JULHO


Pequenas papoilas, pequenas chamas infernais,
sois inofensivas?
Estremeceis. Não posso tocar-vos.
Ponho as minhas mãos por entre as chamas. Mas nada queima.

E fico exausta quando vos vejo
estremecer assim, pregueadas e rubras como a pele da boca.

Uma boca há pouco ensanguentada.
Pequenas orlas de sangue!

Há nela um fumo que não consigo tocar.
Onde está o vosso ópio, as vossas cápsulas nauseabundas?

Se eu pudesse esvair-me em sangue ou dormir!...
Se a minha boca conseguisse desposar uma tal ferida!

Ou os vossos licores me penetrassem, nesta cápsula de vidro,
trazendo-me a acalmia e o silêncio.

Mas sem cor. Sem nenhuma cor.

Sylvia Plath
Crossing the Water
Assírio e Alvim, Portugal, 2000.
Trad. Maria Lourdes Guimarães
Foto: Papagueno

terça-feira, 21 de agosto de 2007

SAIBA



A propósito de uma conversa com a Citizen Mary e com a Avelaneira Florida sobre o Arnaldo Antunes, vejam a preciosidade que eu descobri no You Tube.

Se calhar conhecem isto na voz da Adriana (Partimpim) Calcanhoto mas a letra foi escrita pelo Arnaldo.



Saiba: todo mundo foi neném
Einstein, Freud e Platão também
Hitler, Bush e Sadam Hussein
Quem tem grana e quem não tem

Saiba: todo mundo teve infância
Maomé já foi criança
Arquimedes, Buda, Galileu
e também você e eu

Saiba: todo mundo teve medo
Mesmo que seja segredo
Nietzsche e Simone de Beauvoir
Fernandinho Beira-Mar

Saiba: todo mundo vai morrer
Presidente, general ou rei
Anglo-saxão ou muçulmano
Todo e qualquer ser humano

Saiba: todo mundo teve pai
Quem já foi e quem ainda vai
Lao Tsé Moisés Ramsés Pelé
Ghandi, Mike Tyson, Salomé

Saiba: todo mundo teve mãe
Índios, africanos e alemães
Nero, Che Guevara, Pinochet
e também eu e você

Arnaldo Antunes
"Saiba" 2004

ROSA


Hoje o céu está mais azul,
eu sinto...
Fecho os olhos.
Mesmo assim eu sinto...
O meu corpo estremeceu.
Não consigo adormecer.

Nem o tempo vai chegar
Para dizer o quanto eu sinto
Você longe de mim.
É uma espécie de dor...

Hoje o céu está mais azul
eu sinto...
Olho à volta
E mesmo assim eu sinto
Que este amor vai acabar
e a saudade vai voltar...

Nem o tempo vai chegar
Para dizer o quanto eu sinto
Você longe de mim.
É uma espécie de dor...

Já não sei o que esperar
Dessa vida fugidia...
Não sei como explicar
Mas eu mesmo assim o amo.

letra: Ana Carolina
Voz: Rosa Passos
Música: Rodrigo Leão, Ryuchi Sakamoto
Foto: Papagueno

NOSTALGIA


Todos os que me acompanham há mais tempo sabem que foi com muita tristeza que me vi obrigado a mudar de casa e rumar até aqui.

Para matar algumas saudades do velho Bairro do Amor decidi colocar aqui esta imagem. O que me mete mais pena é que os dois blogues que mantive no Blog-city serão apagados no fim do ano. São os dois primeiros anos, os meus primeiros passos, na blogosfera que desaparecem. Podem-me chamar sentimental mas eu apego-me a estas coisas.

Se quiserem visitar o velho Bairro ele está aqui: http://www.bairrodoamor.blog-city.com/

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

AVES

Como o rumor do mar dentro de um búzio
O divino sussurra no universo
Algo emerge: primordial projecto

Sophia de Mello Breyner


Às vezes ponho-me a olhar para uma pedra.
Não me ponho a pensar se ela sente.
Não me perco a chamar-lhe minha irmã.
Mas gosto dela por ela ser uma pedra,
Gosto dela porque ela não sente nada.
Gosto dela porque ela não tem parentesco nenhum comigo.

Outras vezes oiço passar o vento,
E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido.

Alberto Caeiro

domingo, 19 de agosto de 2007

sábado, 18 de agosto de 2007

LISBOA


"Em todas as ruas te encontro
Em todas as ruas te perco."

.
É pelas ruas de Lisboa que passa este disco.
Em companhia de Rodrigo Leão, Rui Reininho, Danças Ocultas, A Naifa, os The Gift, Mário Cesariny entre outros viajamos por uma cidade através dos seus, olhos, da sua música das suas palavras.

Lisboa é o primeiro disco da Lisboa Records e está integrado nas comemorações dos 25 anos do Frágil.

Entre as 12 faixas do disco podemos encontrar 3 poemas de Mário Cesariny, um dos quais recitado pelo próprio(faixa em audição)




PASSAGEM A LIMPO

O navio morto
que sobe a corrente
de que velho porto
era o adolescente?

Cingia-lhe a boca
água e nevoeiro?
Tinha muita, pouca
falta de dinheiro?

Bom barco, subido
aos da mor igualha,
tens o ombro ferido
até à fornalha

E puxado a cabos
- este rei de oceanos! –
por ginasticados
loiros namorados
a diesel e canos

Foi-lhe a estrela má.
- E se recomeça?
- Vamos aqui já
enterrá-lo depressa.

vai morto. não sonha.
Não grita. Não soa.
Saiu-lhe a peçonha
Pelo buraco da proa.

Poema: Mário Cesariny
Música: A Naifa

You Are Welcome to Elsinore - Letra

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

MADRIGAL ESCRITO NO INVERNO


No fundo do mar profundo
na noite de longas riscas,
como um cavalo atravessa correndo
o teu calado calado nome.

Dá-me lugar no teu ombro, aí, abriga-me,
aparece-me no teu espelho, de repente,
sobre a folha solitária, nocturna,
brotando do escuro, detrás de ti.

Flor da doce luz completa,
acode-me com a tua boca de beijos,
violenta de separaçõe,
determinada e fina boca.

Pois digo-te no mais longe dos longes,
de um esquecimento a outro moram comigo
os carris, o grito de chuva,
o que a escura noite preserva.

Acolhe-me no tear da tarde
quando o anoitecer vai urdindo
o seu vestuário e palpita no céu
uma estrela cheia de vento.

Traze-me a tua ausência, até ao fundo,
pesadamente, com os olhos tapados,
atravessa-me a tua existência, admitindo
que este meu coração está destruído.

Pablo Neruda
Antologia Breve
Tradução: Fernando Assis Pacheco
Públicações D. Quixote

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

OS ANIMAIS FICAM DE FORA


Mais um filme excelente da Amnistia Internacional.

Por falar na AI, parece que o verniz estalou entre a organização humanitária e o Vaticano. A AI decidiu defender a práctica do aborto para vítimas de violação, abrindo um diferendo com as instituições católicas que já ameaçaram cortar os apoios à organização.

Fonte: DN

Ainda sobre o aborto; Concorde-se ou não com esta práctica, acho que a Igreja Católica se devia preocupar mais com as crianças já nascidas do que com as que ainda não nasceram:

Leiam a notícia da BBC Brasil

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

GELADAS









MULTIDÃO


Uma folha tomba do plátano,
um frémito sacode o cimo do cipreste,
És tu que me chamas.
Olhos invisíveis sulcam a sombra,
penetram-me como à parede os pregos,
És tu que me fitas.
Mãos invisíveis nos ombros me tocam, para as águas dormentes do lago me atraem,
És tu que me queres.
De sob as vértebras com pálidos toques ligeiros
a loucura sai para o cérebro,
És tu que me penetras.
Não mais os pés pousam na terra,
não mais pesa o corpo nos ares,
transporta-o a vertigem obscura
És tu que me atravessas, tu.

ADA NEGRI

terça-feira, 14 de agosto de 2007

VIAGEM PELO MUNDO DA MÚSICA



Queria agradecer à Citizen Mary por esta revelação.

ATÉ AO FIM



Delícioso!

Quando eu nasci veio um anjo safado
O chato "dum" querubim
E decretou que eu estava predestinado
A ser errado assim
Já de saída a minha estrada entortou
Mas vou até o fim

"Inda" garoto deixei de ir à escola
Cassaram meu boletim
Não sou ladrão, eu não sou bom de bola
Nem posso ouvir clarim
Um bom futuro é o que jamais me esperou
Mas vou até o fim

Eu bem que tenho ensaiado um progresso
Virei cantor de festim
Mamãe contou que eu faço um bruto sucesso
Em Quixeramobim
Não sei como o maracatu começou
Mas vou até o fim

Por conta de umas questões paralelas
Quebraram meu bandolim
Não querem mais ouvir as minhas mazelas
E a minha voz chinfrim
Criei barriga, a minha mula empacou
Mas vou até o fim

Não tem cigarro acabou minha renda
Deu praga no meu capim
Minha mulher fugiu com o dono da venda
O que será de mim ?
Eu já nem lembro "pronde" mesmo que vou
Mas vou até o fim

Como já disse é um anjo safado
O chato "dum" Querubim
Que decretou que eu estava predestinado
A ser todo ruim
Já de saída a minha estrada entortou
Mas vou até o fim

Chico Buarque

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

DALI E CESARINY


WELCOME TO ELSINORE

Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos morte violar-nos tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipício

Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós
e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posição

Entre nós e as palavras, surdamente,
as mão e as paredes de Elsinore

E há palavras nocturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmos só amor só solidão desfeita

Entre nós e as palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso dever falar


A minha boca
sabe à tua boca

A minha boca perdeu a memória
não pode falar as palavras
entram no seu túnel
e não é preciso segui-las

disse que és alto
alto
branco e despovoado


A liberdade conhece-se pelo seu fulgor.
Quatro homens livres não são mais liberdade do que um só. Mas são mais reverbero no mesmo fulgor.
Trocar a liberdade em liberdades é a moda corrente do libertino.
Pode prender-se um homem e pô-lo a pão e água. Pode tirar-se-lhe o pão e não se lhe dar a água. Pode-se pô-lo a morrer, pendurado no ar, ou à dentada, com cães. Mas é impossível tirar-lhe seja que parte for da liberdade que ele é.
Ser-se livre é possuir-se a capacidade de lutar contra o que nos oprime. Quanto mais perseguido mais perigoso. Quanto mais livre mais capaz.
Do cadáver dum homem que morre livre pode sair acentuado mau cheiro - nunca sairá um escravo.
Autoridade e liberdade são uma e a mesma coisa.


No rico reino dos ondatras
sobre os campos da batalha
sob o aparente reinado
da massa
o dedo trémulo de uma criança
luta contra a dor silenciosa de sempre
subindo ás maiores alturas
novos e estranhos náufragos em gozo de licença
quatro homens
que olham
enquanto
por todos os lados
quatro cadáveres
passam

Katyn?
grande descoberta!

O homem encontra
com tão pouco esforço
o pus o sangue
a peste a guerra

CUBO

Hoje para descontrair trago aqui trago uma memória do baú da televisão. Fez parte da minha juventude e muito me ri com ela. Já agora ainda se lembram do Cubo Mágico?

domingo, 12 de agosto de 2007

ODE


Eis-me nu e singelo!
Areia branca e o meu corpo em cima.
Um puro homem, natural e belo.
De carne que não peca e que não rima.

A linha do horizonte é um nível quieto;
As velas, de cansaço, adormeceram;
E penas brancas, que eram luto preto,
Perderam-se no azul de onde vieram.

Sol e frescura em toda a grande praia
Onde não pode haver agricultura;
Esterilidade limpa, que não caia
De pão e vinho a cósmica fartura

Dançam toninhas lúdicas no céu
Que visitam ligeiras e felizes;
Uma força sonânbula as ergueu,
Mas seguras à seiva as das raizes.

Nem paz nem guerra, nem desarmonia;
O sexo alegre, mas a repousar;
Um pleno, largo e caudaloso dia,
Sem horas e minutos a passar.

Vem até mim, onda que trazes vida!
Soro da redenção!
Vem como o sangue doutra mãe pedida
Na hora de dar mundo ao coração!

Miguel Torga
"Poesia Completa"
Públicações D. Quixote.
Foto: Carla Salgueiro, Olhares.com

CENTENÁRIO DE MIGUEL TORGA


A primeira vez que tomei contacto com a obra de Torga foi na escola quando li "Os Bichos", foi amor à primeira leitura. Depois li os "Contos da Montanha" e "Os Novos Contos da Montanha", só muito mais tarde comecei a conhecer a sua poesia.

Adolfo Correia da Rocha, que será conhecido por Miguel Torga, nasce em 12 de Agosto de 1907, em S. Martinho da Anta, concelho de Sabrosa, Trás-os-Montes. Filho de gente do campo, não mais se desliga das origens, da família, do meio rural e da natureza que o circunda. Mesmo quando não referidos, estão sempre presentes o Pai, a Mãe, o professor primário Sr. Botelho, as fragas, as serranias, a magreza da terra, o suor para dela arrancar o pão, os próprios monumentos megalíticos em que a região é pródiga.
Entra no Seminário, donde sai pouco depois.
Emigra para o Brasil em 1920. Trabalha na fazenda do tio, é a dureza da "capinagem" do café. O tio apercebe-se das suas qualidades. Paga-lhe ingresso e estudos no liceu de Leopoldina, onde os professores notam as suas capacidades.
Regressa a Portugal em 1925. Entra da Faculdade de Medicina de Coimbra. Participa moderadamente na boémia coimbrã. Ainda estudante publica os seus primeiros livros. Com ajuda financeira do tio brasileiro conclui a formatura em 1933.
A família é um dos pontos fulcrais da sua vida. O pai, com quem a comunicação se faz quase sem necessidade de palavras, é um dos fortes esteios da sua ternura, amor e respeito. Cortei o cabelo ao meu pai e fiz-lhe a barba.(...) Foi sempre bonito, o velhote... Recorda os braços do pai pegando pela primeira vez na neta, recém nascida. O mesmo amor em poemas dedicados à mãe. Por sua mulher e filha um afecto profundo, também.
Uma parcela de arrogância, um certo distanciamento dos homens, timidez comum aos homens vindos dos meios humildes:
Nem sempre escrevi que sou intransigente, duro, capaz de uma lógica que toca a desumanidade. (...) Nem sempre admiti que estava irritado com este camarada e aquele amigo. (...) A desgraça é que não me deixam estar só, pensar só, sentir só.
O desejo de perfeição absoluta e de verdade:
Que cada frase em vez de um habilidoso disfarce, fosse uma sedução (...) e um acto sem subterfúgios. Para tanto limpo-a escrupulosamente de todas as impurezas e ambiguidades.
Não dá nada a ninguém, diz-se. Imensas consultas gratuitas como médico, desmentem a atoarda. Não dispõe de recursos folgados, confidencia a alguns amigos. Compreende-se: por motivos políticos, a sua mulher, Profª. Andrée Crabbé Rocha, é proibida de leccionar e, ao longo dos anos iniciais, altos são os custos editoriais do que publica...
A ideia da morte e da solidão acompanham-no permanentemente. Desde criança mantêm-se presentes no corpo e no espírito. Dos vinte e cinco poemas insertos no último volume do Diário, cerca de metade evocam-nas. Não porque atinja já uma idade relativamente avançada ou sofra de doença incurável. Na casa dos quarenta e até antes, já o envolvem. Não se traduzem em medo, mas no sentido do limite. Criança ainda, uma noite, sozinho, (...) desamparado e perplexo, assiste à morte do avô. O que não será estranho à obsessão.
No enterro de Afonso Duarte, ao fazer o elogio fúnebre afirma que a morte purifica os sentimentos.
O homem é, por desgraça, uma solidão: Nascemos sós, vivemos sós e morremos sós.
Viajante incansável por todo o país e estrangeiro. Visita a China e a Índia já próximo dos oitenta anos. Pareço um doido a correr esta pátria e nem chego a saber por quê tanta peregrinação.
Os monumentos entusiasmam-no. Os Jerónimos, a Batalha e Alcobaça têm sentido na Alma da nação. Mafra é uma estupidez que justifica uma punição aos reis doiros que fizeram construir o convento. Os monumentos paleolíticos fascinam-no.
Sou uma encruzilhadas de duas naturezas. De variadíssimas, dirá quem bem o conhece...
Morre em 17 de Janeiro de 1995. Enterrado em S. Martinho da Anta, junto dos pais e irmã.

Tirado de: Vidas Lusófonas

No dia do seu funeral Manuel Alegre escrevia:


ENTERRO DE MIGUEL TORGA

Um vento frio soprou
e veio a nuvem negra com seu véu
de luto sobre S. Martinho.

Eu vi a águia que se levantou
e lentamente abriu caminho
direita ao céu.

MIRADOURO


Com tristeza e vergonha enternecida
Olho daqui
A ponte de palavras
Que construí
Sobre o abismo da vida

Sonhei-a:
Desenhei-a:
Sólida até onde pude,
Lancei-a como um salto de gazela:
E naõ passei por ela!

Vim por baixo, agarrado ao chão do mundo.
Filho de Adão e Eva,
O meu destino.
E cá vou como pobre peregrino.

Miguel Torga


"Poesia Completa"
Públicações D. Quixote.
Foto: Papagueno

Torga no Bairro

Torga no bairro Antigo

sábado, 11 de agosto de 2007

DALI NO PORTO


Demorou três anos a trazer, mas agora pode ser vista por portuenses e não só. Até 4 de Novembro, 285 desenhos, esculturas e quadros originais de Salvador Dali estão em exposição no Palácio do Freixo, no Porto. Mitologia, o mundo dos sonhos, religião, erotismo e Gala, a mulher que o inspirou e com quem veio a casar, são as principais temáticas destas obras, que pertencem à Colecção Clot, propriedade da Fundação Metropolitana de Milão, Itália.

A exposição pode visitada entre as 10h00 e as 22h00, e de sexta a domingo (incluindo feriados) das 10h00 às 24h00.


Notícia e foto: Portugal Diário

PROSPECÇÃO - CENTENÁRIO DE MIGUEL TORGA

Não são pepitas de oiro que procuro.
Oiro dentro de mim, terra singela!
Busco apenas aquela
Universal riqueza
Do homem que revolve a solidão:
O tesoiro sagrado
De nenhuma certeza,
Soterrado
Por mil certezas de aluvião.
Cavo,
Lavo,
Peneiro,
Mas só quero a fortuna
De me encontrar.
Poeta antes dos versos
E sede antes da fonte.
Puro como um deserto.
Inteiramente nu e descoberto.

Miguel Torga
Poesia Completa
Públicações D. Quixote

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

MARESIAS

Poesia

Se todo o ser ao vento abandonamos
E sem medo nem dó nos destruímos,
Se morremos em tudo o que sentimos
E podemos cantar, é porque estamos
Nus em sangue, embalando a própria dor
Em frente às madrugadas do amor.
Quando a manhã brilhar refloriremos
E a alma possuirá esse esplendor
Prometido nas formas que perdemos

A anémona dos dias

Aquele que profanou o mar
E que traiu o arco azul do tempo
Falou da sua vitória

Disse que tinha ultrapassado a lei
Falou da sua liberdade
Falou de si próprio como de um Messias

Porém eu vi no chão suja e calcada
A transparente anémona dos dias.

Liberdade

Aqui nesta praia onde
Não há nenhum vestígio de impureza,
Aqui onde há somente
Ondas tombando ininterruptamente,
Puro espaço e lúcida unidade,
Aqui o tempo apaixonadamente
Encontra a própria liberdade


Bebido o luar, ébrios de horizontes,
Julgamos que viver era abraçar
O rumor dos pinhais, o azul dos montes
E todos os jardins verdes do mar.

Mas solitários somos e passamos,
Não são nossos os frutos nem as flores,
O céu e o mar apagam-se exteriores
E tornam-se os fantasmas que sonhamos.

Por que jardins que nós não colheremos,
Límpidos nas auroras a nascer,
Por que o céu e o mar se não seremos
Nunca os deuses capazes de os viver.



ESPERO

Espero sempre por ti o dia inteiro,
Quando na praia sobe, de cinza e oiro,
O nevoeiro
E há em todas as coisas o agoiro
De uma fantástica vinda.

AUSÊNCIA

Num deserto sem água
Numa noite sem lua
Num país sem nome
Ou numa terra nua

Por maior que seja o desespero
Nenhuma ausência é mais funda do que a tua
.
Poemas de Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004)
Pintura: Claude Monet (1840-1926 )

ORIGINAL É O POETA


Original é o poeta
que se origina a si mesmo
que numa sílaba é seta
noutro pasmo ou cataclismo
o que se atira ao poema
como se fosse um abismo
e faz um filho ás palavras
na cama do romantismo.
Original é o poeta
capaz de escrever um sismo.

Original é o poeta
de origem clara e comum
que sendo de toda a parte
não é de lugar algum.
O que gera a própria arte
na força de ser só um
por todos a quem a sorte faz
devorar um jejum.
Original é o poeta
que de todos for só um.

Original é o poeta
expulso do paraíso
por saber compreender
o que é o choro e o riso;
aquele que desce á rua
bebe copos quebra nozes
e ferra em quem tem juízo
versos brancos e ferozes.
Original é o poeta
que é gato de sete vozes.

Original é o poeta
que chegar ao despudor
de escrever todos os dias
como se fizesse amor.
Esse que despe a poesia
como se fosse uma mulher
e nela emprenha a alegria
de ser um homem qualquer.

José Carlos Ary dos Santos
Imagem: Susana Ferreira, 1000 Imagens

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

JE SUIS JALOUSE



Nunca subestimem uma mulher ciumenta. Uma delícia de vídeo

FOI HÁ 62 ANOS, ESPEREMOS QUE NUNCA SE REPITA

RIO DOURO

Rio Douro, margem espanhola

Rio Douro, visto do Miradouro do Penedo Durão

Olá meus amigos, desculpem as ausências, mas estamos no verão, está um tempo lindo e apetece passear.

Fotos: Papagueno

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

VALSA DE UM HOMEM CARENTE


Se alguma vez te parecer
ouvir coisas sem sentido
não ligues, sou eu a dizer
que quero ficar contigo
e apenas obedeço
com as artes que conheço
ao princípio activo
que rege desde o começo
e mantém o mundo vivo

Se alguma vez me vires fazer
figuras teatrais
dignas dum palhaço pobre
sou eu a dançar a mais nobre
das danças nupciais
vê minhas plumas cardeais
em todo o seu esplendor
sou eu, sou eu, nem mais
a suplicar o teu amor

É a dança mais pungente
mão atrás e outra à frente
valsa de um homem carente
mão atrás e outra à frente
valsa de um homem carente

Jorge Palma
"Norte", 2004
Imagem: Olhares.com

quinta-feira, 2 de agosto de 2007

VEJAM BEM



Vejam bem
que não há só gaivotas em terra
quando um homem se põe a pensar
quando um homem se põe a pensar

Quem lá vem
dorme à noite ao relento na areia
dorme à noite ao relento no mar
dorme à noite ao relento no mar

E se houver
uma praça de gente madura
e uma estátua
e uma estátua de de febre a arder

Anda alguém
pela noite de breu à procura
e não há quem lhe queira valer
e não há quem lhe queira valer

Vejam bem
daquele homem a fraca figura
desbravando os caminhos do pão
desbravando os caminhos do pão

E se houver
uma praça de gente madura
ninguém vem levantá-lo do chão
ninguém vem levantá-lo do chão

Vejam bem
que não há só gaivotas em terra
quando um homem
quando um homem se põe a pensar

Quem lá vem
dorme à noite ao relento na areia
dorme à noite ao relento no mar
dorme à noite ao relento no mar

José Afonso
Cantares do Andarilho, 1968

O ZECA NASCEU À 78 ANOS



Onde quer que estejas parabéns e obrigado pela tua obra.

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

REMEDIOS VARO, UMA MULHER SURREALISTA

Creacion de las Aves, 1959

Bordando el Manto Terrestre, 1961

Hacia la Torre, 1961

Rio Orinoco 1959

Remedios Varo (1908-1963)