«Tocar a luz, qualquer luz, não consegue ressuscitar nada. Sílaba a sílaba tudo continua imóvel. Mesmo quando as palavras se agitam e são voláteis, cortam a respiração – ou quando são vegetais e largam um fio de seiva quente na língua.
Porque é do silêncio poroso do anjo mudo, da fala incandescente do seu olhar que, de quando em quando, surge o poema.»
Al Berto, Incêndio
Vestígios
noutros tempos
quando acreditávamos na existência da lua
foi-nos possível escrever poemas e
envenenávamo-nos boca a boca com o vidro moído
pelas salivas proibidas - noutros tempos
os dias corriam com a água e limpavam
os líquenes das imundas máscaras
hoje
nenhuma palavra pode ser escrita
nenhuma sílaba permanece na aridez das pedras
ou se expande pelo corpo estendido
no quarto do zinabre e do álcool - pernoita-se
onde se pode - num vocabulário reduzido e
obcessivo - até que o relâmpago fulmine a língua
e nada mais se consiga ouvir
apesar de tudo
continuamos e repetir os gestos e a beber
a serenidade da seiva - vamos pela febre
dos cedros acima - até que tocamos o místico
arbusto estelar
e
o mistério da luz fustiga-nos os olhos
numa euforia torrencial
Al-Berto
Horto de Incêndio
Imagem: La Luna de Joe Sorren
7 comentários:
Lindissima escolha!!!!
Al berto é uma essência de vida!!!!
E a Imagem é deslumbrante!!!
"Brigados" por este post!
Um Bom dia!
Bjks
É bom saber que há gente atenta.
Mais uma vez, é bom passear no teu Bairro.
A irreverência da poesia.
Um abraço.
Bela homenagem e linda imagem:)
Beijs
Associo-me à "homenagem".
***
e que linda imagem...*
Cru, doloroso e fulminante.
O uso banal das palavras deixou-as áridas e ocas.
Lindíssimo!
Pleno de sabedoria e de emoção.
Gostei imenso!
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