sexta-feira, 25 de maio de 2007

CHORO


Ninguém vê as minhas lágrimas, mas choro
as crianças violadas
nos muros da noite
úmidos de carne lívida
onde as rosas se desgrenham
para os cabelos dos charcos.

Ninguém vê as minhas lágrimas, mas choro
diante desta mulher que ri
com um sol de soluços na boca
— no exílio dos Rumos Decepados.

Ninguém vê as minhas lágrimas, mas choro
este sequestro de ir buscar cadáveres
ao peso dos poços
— onde já nem sequer há lodo
para as estrelas descerem
arrependidas de céu.

Ninguém vê as minhas lágrimas, mas choro
a coragem do último sorriso
para o rosto bem-amado
naquela Noite dos Muros a erguerem-se nos olhos
com as mãos ainda à procura do eterno
na carne de despir,
suada de ilusão.

Ninguém vê as minhas lágrimas, mas choro
todas as humilhações das mulheres de joelhos nos tapetes da súplica
todos os vagabundos caídos ao luar onde o sol para atirar camélias
todas as prostitutas esbofeteadas pelos esqueleto de repente dos espelhos
todas as horas-da-morte nos casebres em que as aranhas tecem vestidos para o sopro do
silêncio
todas as crianças com cães batidos no crispar das bocas sujas
de miséria...

Ninguém vê as minhas lágrimas, mas choro...

Mas não por mim, ouviram?
Eu não preciso de lágrimas!
Eu não quero lágrimas!

Levanto-me e proíbo as estrelas de fingir que choram por mim!

Deixem-me para aqui, seco,
senhor de insónias e de cardos,
neste ódio enternecido
de chorar em segredo pelos outros
à espera daquele Dia
em que o meu coração
estoire de amor a Terra
com as lágrimas públicas de pedra incendiada
a correrem-me nas faces
— num arrepio de Primavera
e de Catástrofe!

José Gomes Ferreira
Foto: Tears, Man Ray

7 comentários:

avelaneiraflorida disse...

OBRIGADA! MUITO!
UM POEMA URGENTE E NECESSÁRIO!

Bjks

wind disse...

Excelente poema! Forte e de denuncia!
A foto bela, ou não fosse de Man Ray:)
Beijos

Mário Margaride disse...

Belíssimo este poema, papagueno!

Excelente esta escolha!

Em relação aos linkes:o que acontece, é que como estão nesse mesmo lado imagens, os linkes desceram um pouco mais, mas não saíram do sítio.
Julgo que era isso que referias não era?

Um abraço

A. Jorge disse...

Nos dias que correm,uma escolha magnifica.

Um abraço

Jorge

http://vagabundices.wordpress.com/

Zé Povinho disse...

Um bom poema. Eis a prova de que a palavra e a míca podem conviver no mesmo plano de interesses.
Abraço e obrigado

Zé Povinho disse...

Perdão: música e não míca

Kalinka disse...

Olá Amigo
Celebrei os dons da terra e misturei-me com os sons do mundo sem coisa alguma...fui durante 4 dias de mini-férias para o Alentejo profundo.
Comecei por Estremoz e fui em seguida para Évora e daí em diante.

Pelo kalinka poderás ler sobre o «Même» que recebi:
"Para ser grande, sê inteiro:
nada Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa.
Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim, em cada lago a LUA toda
Brilha, porque alta vive.
"Ricardo Reis"

Beijinhos.
Bom fim de semana.

Como sempre belíssima a escolha que fizeste do poema.Parabéns.