sexta-feira, 2 de novembro de 2007

O HOMEM A SERPENTE E A PEDRA, CONTO SUFI



Um dia, um homem que não tinha nenhuma preocupação na vida, ia por um caminho. Um objeto estranho a um lado do caminho atraiu seu olhar.
- Devo investigar o que é isto - disse consigo.
Tão logo dele se aproximou, viu que era uma pedra grande e muito plana.
- Devo investigar o que há debaixo dela - disse consigo. E levantou a pedra.
Quando fez isso, ouviu um forte silvo e uma enorme serpente saiu deslizando de um buraco que havia debaixo da pedra. O homem, alarmado, deixou cair a pedra.
A serpente se enroscou e lhe disse:
- Agora vou matar-te, pois sou uma serpente venenosa.
- Mas eu te libertei - disse o homem - Como podes pagar o bem com o mal? Tal ação não está de acordo com um comportamento razoável.
- Em primeiro lugar - falou a serpente - levantaste a pedra por curiosidade, ignorando as possíveis conseqüências. Como pode esta ação converter-se de repente em - Eu te libertei?
- Sempre devemos voltar ao comportamento razoável, quando nos colocamos a pensar - murmurou o homem.
- Invocas isto quando pode convir a teus interesses - asseverou a serpente.
- Sim - disse o homem - fui um tolo em pensar que se poderia obter conduta razoável de uma serpente.
- De uma serpente, espera comportamento de serpente, objetou a serpente. Para uma serpente a conduta de serpente é o que se pode considerar como razoável. - Agora, vou matar-te - continuou dizendo.
- Por favor, não me mates - disse o homem - dá-me outra oportunidade. Tu me ensinaste sobre a curiosidade, a conduta razoável e o comportamento de serpente. Agora me matarás antes que eu possa por em prática este conhecimento.
- Muito bem - disse a serpente - dar-te-ei outra oportunidade.
Eu te acompanharei em tua viagem. Pediremos à primeira criatura que encontrarmos, que não seja nem homem nem serpente, que julgue nosso caso.
O homem cedeu e empreenderam o caminho.
Logo se encontraram com um rebanho de ovelhas em um campo.
A serpente se deteve, e o homem gritou:
- Ovelhas, ovelhas, salvem-me por favor. Esta serpente pretende me matar; se lhe disserem que não o faça, ela me perdoará. Dêem um veredicto a meu favor, pois sou um homem, o amigo das ovelhas.
Uma das ovelhas respondeu:
- Fomos expulsas destas terras depois de servirmos durante muitos anos a um homem. Nós lhes demos lã, ano após ano, agora que estamos velhas, amanhã ele nos matará para utilizar nossa carne. Esta é a medida da generosidade dos homens. Serpente, mata esse homem.
A serpente se levantou e seus olhos verdes brilharam enquanto dizia ao homem:
- Assim é como teus amigos te vêem. Tremo em pensar como são teus inimigos.
- Dá-me mais uma oportunidade - gritou o homem desesperadamente. "Por favor, vamos encontrar alguém mais que dê sua opinião, para que a minha vida seja perdoada".
- Não quero ser tão irracional como pensas que sou, disse a serpente, "portanto, continuarei de acordo com teu esquema e não com o meu. Perguntemos ao próximo indivíduo, que não seja nem homem nem serpente, qual será teu destino".
O homem agradeceu à serpente e continuaram a viagem.
Em pouco tempo se encontraram com um cavalo solitário, preso em um campo. A serpente se dirigiu a ele e disse:
- Cavalo, cavalo, por que estás preso desta maneira?
O cavalo disse:
- Durante muitos anos servi a um homem. Deu-me comida que não pedi e me ensinou a servi-lo. Disse que isso era em troca da comida e do estábulo. Agora que estou muito fraco para o trabalho, decidiu vender-me como carne de cavalo. Estou preso porque o homem acredita que se ando solto por este campo, comerei demais de seu pasto.
- Pelo amor de Deus, não faças com que este cavalo seja meu juiz, exclamou o homem.
- De acordo com nosso pacto - disse a serpente, inflexível,"este homem e eu decidimos que tu julgues nosso caso".
Resumiu-lhe a situação, e o cavalo respondeu:
- Serpente, está além de minhas capacidades e de minha natureza matar um homem. Mas penso que tu, como serpente, não tens alternativa, pois tens um homem em seu poder.

- Se me desses só mais uma oportunidade - suplicou o homem,"estou seguro de que algo viria me acudir. Tive má sorte nesta viagem e esbarrei apenas em criaturas ressentidas. Escolhamos algum animal que não tenha tal ressentimento e, portanto, não tenha qualquer má vontade generalizada para com minha espécie".
- As pessoas não conhecem as serpentes - disse a serpente,"e no entanto parecem ter uma animosidade generalizada em relação a elas. Mas estou disposta a te conceder somente mais uma oportunidade".
Seguiram seu caminho.
Logo viram uma raposa, dormindo debaixo de um arbusto.
O homem despertou-a com delicadeza e disse:
- Nada temas, irmã raposa. Meu caso é este e meu futuro depende de tua decisão. A serpente não me dará nenhuma outra oportunidade e, assim sendo, somente tua generosidade ou altruísmo podem me ajudar.
A raposa pensou por um instante e logo disse:
- Não tenho certeza de que somente a generosidade ou o altruísmo podem funcionar aqui, mas me ocuparei deste assunto. Para poder chegar a uma conclusão devo basear em algo mais do que tu possas me contar. Devemos demonstrá-lo também. Vamos, regressemos ao começo de tua viagem, e examinemos os fatos no próprio lugar onde ocorreram.
Voltaram para onde acontecera o primeiro encontro.
Agora reconstituiremos a situação - disse a raposa. - Serpente, tem a bondade de voltar ao teu lugar novamente, debaixo dessa pedra plana.
O homem levantou a pedra e a serpente se meteu na cavidade. O homem deixou a pedra cair.
A serpente estava presa mais uma vez e a raposa, dirigindo-se ao homem, disse:
- Retornamos ao princípio. A serpente não pode sair a menos que tu a libertes.
Aqui a serpente deixa nossa história.
- Obrigado, obrigado - disse o homem com os olhos cheios de lágrimas.
- Agradecimentos não são suficientes, irmão - disse a raposa - além da generosidade e do altruísmo, existe a questão do meu pagamento.
- De que maneira vais forçar-me a pagar? - perguntou o homem.
- Qualquer indivíduo que possa resolver um problema como o que acabo de solucionar - disse a raposa - está suficientemente capacitado para se encarregar de um detalhe como este. Mais uma vez te convido a me recompensar, ainda que seja por medo e, se você não tiver senso de justiça, poderíamos chamá-lo em tuas palavras de "ser razoável".
O homem disse:
- Muito bem. Vem à minha casa e te darei uma galinha.

Chegaram à casa do homem e este foi ao galinheiro, logo voltando com uma sacola cheia. A raposa arrebatou-a e estava prestes a abri-la, quando o homem disse:
- Amiga raposa, não abra o saco aqui. Tenho vizinhos humanos que não devem saber que estou cooperando com uma raposa. Poderiam matar-te e me censurar também.
- É um pensamento razoável - disse a raposa - O que sugeres que eu faça?
- Estás vendo aquele grupo de árvores ali? - disse o homem, enquanto as apontava.
- Sim - respondeu a raposa.
- Corre até elas com a sacola, assim poderás desfrutar a tua comida sem que ninguém te importune.
A raposa afastou-se correndo. Logo que chegou às árvores, foi capturada por um bando de caçadores que o homem sabia que estavam ali.
Aqui ela deixa nossa história.
E o homem? Seu futuro ainda está por chegar.


Extraído de
'O Sufismo no Ocidente'
Edições Dervish 1984
Foto: Naja do Paquistão; Naja naja karachiensis

3 comentários:

Anônimo disse...

Belo conto; remete-me para o conto do escorpião e da rã; de tão clarividente parece clamar por uma busca do equilíbrio entre as espécies;

avelaneiraflorida disse...

Papagueno, AMIGO,

Desculpa só agora comentar este belissimo texto!
Um conto com toda a sabedoria ados antigos que bem conhecem a Mãe natureza e os homens que nela vivem!!!!
Deixas-me mais um livro para juntar à minha pilha de: " A LER!"
"BRIGADOS"!!!!!!
BJKS

João Roque disse...

Bem me parecia que o La Fontaine não era aqui chamado para nada.
Belo conto.