sexta-feira, 6 de abril de 2007

NOCTURNO



Como se fosses noite e me atirasses
Uma corda de músculos e rosas.
Como se fosses noite e me deixasses
Deslumbrado com todas as sombras,
Com todos os silêncios,
Com todos os passeios de mãos dadas com o impossível,
Com todos os minutos,
Os lentos, os belos, os terríveis minutos
Que se escoam com a angústia nas escadas.
Como se fosses noite e acordasses
Todos os olhares furtivos aos bancos vazios,
Todos os passos hesitantes que ninguém segue
Mas que deixam na rua deserta,
Na cidade ausente,
O arabesco triunfal dum arcanjo que passa,
O rasto vitorioso dum condenado que dança,
Rindo dos deuses que o julgaram.

Como se fosses noite e arrastasses
O tule hierático e vermelho da cauda de todas as prostitutas
Que desafiam o mistério, roçagando,
A ganga de todos os operários
Que sofrem o mistério, fumando,
O cabeção ingénuo de todos os marujos
Que sonham o mistério, ondulando,
A renda esfarrapada, esvoaçante e preciosa de todos os invertidos
Que inventam o mistério, desesperando,
E a carne, o sangue,
O cheiro a suor e a sono de todos os vadios,
De todos os ladrões que dormem nas esquadras
E têm o mistério, ousando!

Ah! Se tu fosses noite e me atirasses
A um poço de membros e de raiva
Onde plantas carnívoras crescessem
E onde Deus - se existisse - talvez me abrisse os braços!

José Carlos Ary dos Santos

7 comentários:

wind disse...

Adoro este poema:)
Nú e crú, mas belo!
Beijos

Mário Margaride disse...

Mais um belíssimo poema, à maneira do Ary!

Bom feriado amigo papagueno

Um abraço

Anônimo disse...

Adorei este poema.
Boa Pascoa.

Anônimo disse...

Muito bom este poema.
Feliz pascoa´.

MGomes disse...

Ary, um grande poeta sempre presente.
Uma Páscoa Feliz

Maria Romeiras disse...

Bonito poema de Ary dos Santos. Uma boa Páscoa!

Kalinka disse...

Gostei de ler sobre como passavas a Páscoa na tua infância.
Convido-te a «espreitares» os meus 2 coelhinhos da Páscoa!

ESTOU AQUI PARA DESEJAR UMA PÁSCOA FELIZ, JUNTO DE QUEM TE FAZ SORRIR!
UM BEIJO GRANDE