quinta-feira, 13 de setembro de 2007

A BOLOTA



A bolota taluda ficara ali muito quieta, muito bem refastelada em virtude do próprio peso, enterrada que nem pelouro de batalha depois de passarem carros e carretas. Que fazer senão deitar-se a dormir?! Dormiu uma hora ou uma vida inteira, quem sabe?! Um laparoto veio lá de cascos de rolha, rapou a terra, fez um toural, aliviou-se, e ela ficou por baixo, sufocada sem poder respirar, em plena escuridão. Estava no fim do fim? Um belisco, e do seu flanco saiu como uma flecha. Era de luz ou de vida? Era uma fonte ou antes um cântico de ave, de água corrente, de vagem a estalar com o sol (... )? Era tudo isto, encarnado no fogo incomburente que lhe lavrava no flanco, verbo que acabou por irradiar do próprio mistério do seu ser.

Do pinhão, que um pé-de-vento arrancou da pinha-mãe, e da bolota, que a ave deixou cair no solo, repetido o acto mil vezes, gerou-se a floresta.


Aquilino Ribeiro
"A Casa Grande de Romarigães" 1957


Aquilino Ribeiro
13 de Setembro de 1885
7 de Maio de 1963

"É um inimigo do Regime. Dir-lhe-á mal de mim; mas não importa: é um grande escritor."

António de Oliveira Salazar

4 comentários:

avelaneiraflorida disse...

Magnífica HOMENAGEM, papagueno!!!!!
"BRIGADOS" ....

RIC disse...

Um dos meus livros favoritos de Mestre Aquilino! Obrigado! Autêntica prosa poética!
Curiosamente, não era um opositor do regime, mas sim um «inimigo»...
Abraço! :-)

wind disse...

De facto:Delicioso:)
beijos

João Roque disse...

Desconhecia a "homenagem" do Botas a Aquilino; curioso...