segunda-feira, 22 de outubro de 2007
ROUPA
Aquela saia roda
como o topo do moinho de pás,
o que em mim confirma agora
que o vento me reveste.
*
Quando depois do nascimento me vestiram,
a roupa então em mim resplandeceu.
Mas estava nua, sem cambraia
ou a memória simples dela nos sentidos.
Nua e solene, com a roupa alheia
em tomo do meu corpo. E ignorava
valor, matéria e as pompas
que entregam roupas e versos ao comércio.
Acreditava só que o gesto amado
de me cobrirem de panos ao nascer
seria a minha glória
*
O pequeno velo de roupa é
o da imaginação. Vestiram-me
para me velar, como janelas afloram
nas casas ou como a palha envolve
medas. As escassas vestes
nas montras eram também
sinais da imaginação. E a linha
nas mãos da costureira assim
imaginada era.
*
Tão devagar cosia pelo traço do giz
a máquina que os pés moveram balançando
quanto os meus olhos devagar seguiram
o traçado dos pontos e o meu espanto
de ver a ordem surgir dos riscos soltos.
O rosto atento caía sobre o pano
que pouco a pouco me tomava a forma
do meu corpo tocado pela luxúria
de tão belos cetins, veludos
inverosímeis e, como tudo o que
a memória gera, fontes de dores.
*
O tépido calor cobre-me
por fora de tules em flor.
As folhas do loureiro ridentes
assemelham-se ao meu vestido
de verde cassa. Agradeço, pois, às bocas
de parentes os nomes ditos.
*
Todas as roupas usadas
próprias do Verão são aquele
vestido único, porque me haviam dito
que ao entrar pelos olhos
ele me cobria de fulgor.
*
Com a saia de tobralco leve passei
entre as nossas hortas, águas do poço,
coisas da quinta tão diversas todas.
E amei cada um dos vários nomes,
e também as palavras especiosas
que na retrosaria designam o belo fio
e aquelas que me mostravam os tecidos
em sequências de alucinações novas.
Fiama Hasse Pais Brandão
Cena Vivas
Relógio d´Água
Foto: Jan Saudek
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7 comentários:
OLÁ AMIGO
HOJE (letra H) sou a 1ª a visitar-te.
Bela escolha a tua - Roupa.
Já cheguei à letra H se quiseres dá uma espreitadela.
Votos de um excelente início de semana. Beijitos.
Bonito poema e foto a condizer:)
Beijos
Belo poema :-)
Mais uma bela, mas não mortífera...
Boa escolha musical. As saudades que eu tenho dos Waterboys. Do melhor da década de 80.
Saudações do Marreta.
Aquela saia marcava-lhe o corpo, numa provocação sensual, deixava apetites insatisfeitos e olhos desfeitos...
EXCELENTE POEMA!!!
A foto...para quê usar palavras????
Bjks
Excelente poema de uma poetisa pouco lembrada, infelizmente; a foto é uma ilustração magnífica para o poema.
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