segunda-feira, 15 de outubro de 2007

OS OLHOS DO POETA



O poeta tem olhos de água para reflectirem todas as cores do mundo,
e as formas e as proporções exactas, mesmo das coisas que os sábios desconhecem.
Em seu olhar estão as distâncias sem mistério que há entre as estrelas,
e estão as estrelas luzindo na penumbra dos bairros da miséria,
com as silhuetas escuras dos meninos vadios esguedelhados ao vento.
Em seu olhar estão as neves eternas dos Himalaias vencidos
e as rugas maceradas das mães que perderam os filhos na luta entre as pátrias
e o movimento ululante das cidades marítimas onde se falam todas as línguas da terra
e o gesto desolado dos homens que voltam ao lar com as mãos vazias e calejadas
e a luz do deserto incandescente e trémula, e os gestos dos pólos, brancos, brancos,
e a sombra das pálpebras sobre o rosto das noivas que não noivaram
e os tesouros dos oceanos desvendados maravilhando com contos-de-fada à hora da infância
e os trapos negros das mulheres dos pescadores esvoaçando como bandeiras aflitas
e correndo pela costa de mãos jogadas pró mar amaldiçoando a tempestade:
- todas as cores, todas as formas do mundo se agitam e gritam nos olhos do poeta.
Do seu olhar, que é um farol erguido no alto de um promontório,
sai uma estrela voando nas trevas
tocando de esperança o coração dos homens de todas as latitudes.
E os dias claros, inundados de vida, perdem o brilho nos olhos do poeta
que escreve poemas de revolta com tinta de sol na noite de angústia que pesa no mundo.

Manuel da Fonseca
15 de Outubro de 1911 - 11 de Março de 1933

6 comentários:

RIC disse...

Muito boa ideia trazer aqui Manuel da Fonseca! Gosto muito dele como contista, mas a poesia dele escapa a alguns chavões do neorrealismo. E é muito bela!
Obrigado! :-)

wind disse...

Bem lembrado:)
Beijos

avelaneiraflorida disse...

E continuamos a falar de olhares...

Este, o dos poetas, o dos sentimentos , do fundo da alma...

Manuel da Fonseca e uma imagem BELÌSSIMA!!!!!!

"BRIGADOS"AMIGO PAPAGUENO!!!!
Bjks

Anônimo disse...

Belo olhar sobre o olhar do poeta!
Que este seja um farol... a não ser para o seu próprio barco...

Abrenúncio disse...

Bem a propósito, para lembrar os 25 anos da morte de Adriano Correia de Oliveira. Também lhe fiz uma homenagem.
Saudações.

João Roque disse...

Mais uma homenagem, mais que merecida a um escritor tão esquecido, como é Manuel da Fonseca.
O poema é dos mais belos escritos à poesia, como só um poeta grande saberia escrever.
A foto é SOBERBA!!!!
Abraço.