Em um retrato
De sob o cômoro quadrangular
Da terra fresca que me há-de inumar,
E depois de já muito ter chovido,
Quando a erva alastrar com o olvido,
Ainda, amigo, o mesmo meu olhar
Há-de ir humilde, atravessando o mar,
Envolver-te de preito enternecido,
Como o de um pobre cão agradecido.
Medeia, 1879-1882
Estátua
Cansei-me de tentar o teu segredo:
No teu olhar sem cor, --- frio escalpelo,
O meu olhar quebrei, a debatê-lo,
Como a onda na crista dum rochedo.
Segredo dessa alma e meu degredo
E minha obsessão! Para bebê-lo
Fui teu lábio oscular, num pesadelo,
Por noites de pavor, cheio de medo.
E o meu ósculo ardente, alucinado,
Esfriou sobre o mármore correcto
Desse entreaberto lábio gelado...
Desse lábio de mármore, discreto,
Severo como um túmulo fechado,
Sereno como um pélago quieto.
Cinco banhistas, 1880-1881
Olympia Moderna 1869-1870
Interrogação
Não sei se isto é amor. Procuro o teu olhar,
Se alguma dor me fere, em busca de um abrigo;
E apesar disso, crê! nunca pensei num lar
Onde fosses feliz, e eu feliz contigo.
Por ti nunca chorei nenhum ideal desfeito.
E nunca te escrevi nenhuns versos românticos.
Nem depois de acordar te procurei no leito
Como a esposa sensual do <
Se é amar-te não sei. Não sei se te idealizo
A tua cor sadia, o teu sorriso terno...
Mas sinto-me sorrir de ver esse sorriso
Que me penetra bem, como este sol de inverno.
Passo contigo a tarde e sempre sem receio
Da luz crepuscular, que enerva, que provoca.
Eu não demoro o olhar na curva do teu seio
Nem me lembrei jamais de te beijar na boca.
Eu não sei se é amor. Será talvez começo...
Eu não sei que mudança a minha alma pressente...
Amor não sei se o é, mas sei que te estremeço,
Que adoecia talvez de te saber doente.
Marne-Ufer, 1888
Crepuscular
Há no ambiente um murmúrio de queixume,
De desejos de amor, d'ais comprimidos...
Uma ternura esparsa de balidos,
Sente-se esmorecer como um perfume.
As madressilvas murcham nos silvados
E o aroma que exalam pelo espaço,
Tem delíquios de gozo e de cansaço,
Nervosos, femininos, delicados.
Sentem-se espasmos, agonias d'ave,
Inapreensíveis, mínimas, serenas...
--- Tenho entre as mãos as tuas mãos pequenas,
O meu olhar no teu olhar suave.
As tuas mãos tão brancas d'anemia...
Os teus olhos tão meigos de tristeza...
--- É este enlanguescer da natureza,
Este vago sofrer do fim do dia.
Poemas: Camilo Pessanha
Homenagem a Paul Cézanne nos 101 anos da sua morte
8 comentários:
Belíssima homenagem, escolheste muito bem o que editaste e as pinturas são lindíssimas!
Parabéns pelo post:)
Beijos
Amigo PAPAGUENO,
Cézanne na sua máxima expressão!!!
"Brigados" por este conforto de aqui chegar...
Bjks
Ah, não te esqueceste dele. Também estive quase para lhe dedicar um post.
Saudações do Marreta.
Faltava-me Camilo Pessanha, os criadores que fogem da realidade procuram construí-la mais bela. Faltavam-me estas palavras. Um beijinho.
Sempre pertinente nas tuas escolhas :)!
Melhor que o teu blog só mesmo se tivessemos uma exposiçãozinha (o diminuitivo é para da um toque realista, em consonância com a dimensão fisica e mental do nosso país)com quadros de Cézanne. Talvez um dia.
Beijinhos e uma boa semana!
Quando quero respirar um pouco de cultura, venho até aqui!
Há sempre algo de extremo interesse para aprender ou recordar.
Este blog é fantástico!
Abraço
Jorge
http://vagabundices.wordpress.com/
O que nos dá a ver, a ler é tão bom que até se torna excessivo.
Telas magníficas de um grande pintor, "ilustradas" com poemas adequados e de uma grande sensibilidade da tua parte.
Abraço.
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