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quarta-feira, 23 de julho de 2008
O BRINCO DA TUA ORELHA
O brinco da tua orelha
Sempre se vai meneando;
Gostava de dar um beijo.
Onde o teu brinco os vai dando.
Tem um topázio doirado
esse brinco de platina;
Um rubi muito encarnado,
e uma outra pedra fina.
O que eu sofro quando o vejo
sempre airoso meneando!
Dava tudo por um beijo
onde o teu brinco os vai dando.
António Botto
"Tristes Canções de Amor"
"Canções e Outros Poemas"
Edição, cronologia e introdução de Eduardo Pitta.
terça-feira, 24 de junho de 2008
VIVA A NOITE DE S. JOÃO!

Alguém faz ouvir a viola:
-É ela que vai cantar!
São João lavou a cara
Na fonte de manhã cedo:
-Podes vir dançar comigo
Que eu não sou de meter medo.
No céu cor de vidro fosco
Aparecem as estrelas,
Trémulas, frias, distantes,
Como lascas pequeninas
De piquenos diamantes.
Ganha força o movimento!
E tudo baila!: - o harmónio,
Risos, guitarra, cantigas,
- Labaredas de paixão,
Despeito, nervos, ciúme,
- Coisas que os olhos não dizem
E as palavras não traduzem
Nem chegam a insunuar...
Toda a paisagem tem alma
E o ar parece vibrar!
António Botto
Aguarela Sombria (excerto)
"Canções e Outros Poemas"
Edição, cronologia e introdução de Eduardo Pitta.
terça-feira, 10 de junho de 2008
TEM NA MANEIRA DE OLHAR

Tem na maneira de olhar
Aquela dúbia certeza
De quem pretende fixar-se
Numa doce realidade...
E o seu vulto quando passa,
Parece deixar no espaço,
A graça de uma saudade!
Há no seu riso -
Uma nota
Que lembra um laivo de sombra
Nessa beleza tão séria
Onde tudo quanto é belo
Desgraçadamente existe.
Ah!, meus amigos, a vida!...
- Falei de amor, fiquei triste.
António Botto
"As canções"
Imagem: Rattus, Olhares.com
domingo, 16 de março de 2008
AMEI...

Amei. E quem é que não amou?
Dei-me a todos os prazeres;
Quem é que ao prazer se nega?
- Sim, jamais um prazer se rejeitou!
Mas, acabei.
Depois da juventude
Vem a idade madura,
- Tudo nos sabe a derrota.
Meus cabelos foram loiros
Como aqueles - de entre tantos que beijei,
Como aqueles que eu prefriro!
Nem a vida me conhece.
Cantei. Agora, suspiro.
António Botto
"As Canções"
Imagens: Maria José Amorim, Olhares.com
domingo, 18 de novembro de 2007
OUTONO

Faz frio. Outono. Chuvisca.
Nos Jardins cai agora o desconforto
Do adeus do fim do dia.
Passo o vento arrefecendo
As flores nos seus canteiros
E um sopro de claridade
Beija uns lírios e umas rosas
Numa curva fugidia...
Estremecem os meus nervos
Como se alguém lhes tocasse...
Engrossou a ventania.
As árvores vão ficando
Como coisas que perderam
A consistência da vida.
Tombam as folhas. E a noite
Agita uns lenços de sombra
E fica mais negra e funda
Nesta simples despedida.
António Botto
Imagem: Sofia Rodrigues, Olhares.com
quarta-feira, 6 de junho de 2007
PORQUE ME NEGAS UM BEIJO?
The Lovers. 1928. Oil on canvas. 54.2 x 73 cm
Porque me negas um beijo?
Teu hostil retraimento
Amolece os restos do meu alento
Para a vida
E aumenta o meu desejo...
Porque me negas um beijo,
Linda boca,
- Flor mordida?
A minha tristeza
Provém do teu hostil retraimento
E também
Do incerto e trágico destino
Que nós temos;
Desse mistério insondável
Que nos rodeia
E do pouco que nós somos
Na eterna corrente das coisas.
Porque me negas um beijo?
António Botto
As Canções
Editorial Presença, 1999
sábado, 2 de junho de 2007
TENHO A CERTEZA

Tenho a certeza
De que entre nós tudo acabou.
- Não há bem que sempre dure,
E o meu, bem pouco durou.
Não levantes os teus braços
Para de novo cingir
A minha carne de seda;
-Vou deixar-te, vou partir!
E se um dia te lembrares
Dos meus olhos de bronze
E do meu corpo franzino,
Acalma
A tua sensualidade
Bebendo vinho e cantando
Os versos que te mandei
Naquela tarde cinzenta!
Adeus!
Quem fica sofre, bem sei;
Mas sofre mais quem se ausenta!
António Botto
As Canções
Editorial Presença, 1999
Foto: Marlino Thorlacius
domingo, 22 de abril de 2007
ROMÂNTICA

Rasgaram as névoas
Que há pouco embrulhavam
As margens lendárias do rio Mondego;
As águas acordam
E ficam pasmadas
Reflectindo o azul da manhã radiante...
Sinto-me tão perto de tudo que é triste
Que os meus olhos sofrem
Com esta alegria - talvez provocante.
Coimbra, serena, mostra o seu contorno
Airosa e gentil - como fascinada
Na luz que é mais viva, difusa, doirada...
Tudo nela canta no alto silêncio
Das coisas divinas que falam do amor;
- Aqui, uma folha que tombou na aragem,
Mais além, uma flor...
Altiva -
Guarda na história dos tempos
A lembrança diluída
Dos seus romances guerreiros
Mesclados de sonho.
E a paisagem nua
Mais lúcida e bela,
Recortada e linda
Nesta claridade... - o dia floresce,
Aumenta - e as águas,
Translúcidas, verdes
- São verdes agora!
Ganham movimento,
Têm vibração,
Murmuram,
E passam
- Como aquela voz que encheu de saudade
O meu coração
António Botto
sábado, 24 de março de 2007
QUEM É QUE ABRAÇA O MEU CORPO?
Quem é que abraça o meu corpo
Na penumbra do teu leito?
Quem é que beija o meu rosto,
Quem é que morde o meu peito?
Quem é que fala da morte
Docemente ao meu ouvido?
- És tu senhor dos meus olhos?
E sempre no meu sentido
A tudo quanto me pedes
Porque obedeço, não sei
Quiseste que eu cantasse
Pus-me a cantar... e chorei
Não me peças mais canções
Porque a cantar vou sofrendo
sou como as velas do altar
que dão luz e vão morrendo
Não me chames pelo nome
que me deram ao nascer
sou como a folha caída
que não chegou a viver
Meus olhos que por alguém
deram lágrimas sem fim
Já não choram por ninguém
- Basta que chorem por mim
O que é que a fonte murmura?
O que é que a fonte dirá?
- Ai, amor, se houver ventura
Não me digas onde está.
António Botto
Na penumbra do teu leito?
Quem é que beija o meu rosto,
Quem é que morde o meu peito?
Quem é que fala da morte
Docemente ao meu ouvido?
- És tu senhor dos meus olhos?
E sempre no meu sentido
A tudo quanto me pedes
Porque obedeço, não sei
Quiseste que eu cantasse
Pus-me a cantar... e chorei
Não me peças mais canções
Porque a cantar vou sofrendo
sou como as velas do altar
que dão luz e vão morrendo
Não me chames pelo nome
que me deram ao nascer
sou como a folha caída
que não chegou a viver
Meus olhos que por alguém
deram lágrimas sem fim
Já não choram por ninguém
- Basta que chorem por mim
O que é que a fonte murmura?
O que é que a fonte dirá?
- Ai, amor, se houver ventura
Não me digas onde está.
António Botto
terça-feira, 20 de março de 2007
ENVOLVE-ME

Na cadeia de teus braços
Como naquela tardinha...
Não tardes, amor ausente;
Tem pena da minha mágoa,
Vida minha!
Vai a penumbra desabrochando
Na alcova
Aonde estou aguardando
A tua vinda...
Não tardes, amor ausente!
Anoitece. O dia finda...
E as rosas desfalecendo
Vão caindo e murmurando:
- Queremos que Ele nos pise!
Mas, quando vem Ele, quando?...
António Botto
Canções, 1921
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