segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

CHAGALL, AMOR E POESIA


Timidez

Basta-me um pequeno gesto,
feito de longe e de leve,
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve...

- mas só esse eu não farei.

Uma palavra caída
das montanhas dos instantes
desmancha todos os mares
e une as terras mais distantes...

- palavra que não direi.

Para que tu me adivinhes,
entre os ventos taciturnos,
apago meus pensamentos,
ponho vestidos nocturnos,

- que amargamente inventei.

E, enquanto não me descobres,
os mundos vão navegando
nos ares certos do tempo,
ate' não se sabe quando...

- e um dia me acabarei.

entre o planeta e o Sem-Fim,
a asa de uma borboleta.

Cecília Meireles


Litania

O teu rosto inclinado pelo vento;
a feroz brancura dos teus dentes;
as mãos, de certo modo irresponsáveis,
e contudo sombrias, e contudo transparentes;

O triunfo cruel das tuas pernas,
colunas em repouso se anoitece:
o peito raso, claro, feito de água;
a boca sossegada onde apetece

navegar ou cantar, ou simplesmente ser
a cor dum fruto, o peso duma flor;
as palavras mordendo a solidão,
atravessadas de alegria e de terror;

são a grande razão, a única razão

Eugénio de Andrade




Teu corpo principia

Dou-te um nome de água
para que cresças no silêncio.

Invento a alegria
da terra que habito
porque nela moro.

Invento do meu nada
esta pergunta.
(Nesta hora, aqui.)

Descubro esse contrário
que em si mesmo se abre:
ou alegria ou morte.

Silêncio e sol - verdade,
respiração apenas.

Amor, eu sei que vives
num breve país.

Os olhos imagino
e o beijo na cintura,
ó tão delgada.

Se é milagre existires,
teus pés nas minhas palmas.

O maravilha, existo
no mundo dos teus olhos.

O vida perfumada
cantando devagar.

Enleio-me na clara
dança do teu andar.

Por uma água tão pura
vale a pena viver.

Um teu joelho diz-me
a indizível paz.

António Ramos Rosa


Aqueles olhos aproximam-se e passam.
Perplexos, cheios de funda luz,
doces e acerados, dominam-me.
Quem os diria tão ousados?
Tão humildes e tão imperiosos,
tão obstinados!

Como estão próximos os nossos ombros!
Defrontam-se e furtam-se,
negam toda a sua coragem.
De vez em quando,
esta minha mão,
que é uma espada e não defende nada,
move-se na órbita daqueles olhos,
fere-lhes a rota curta,
Poderosa e plácida.

Amor, tão chão de Amor,
Que sensível és...
Sensível e violento, apaixonado.
Tão carregado de desejos!
Acalmas e redobras
e de ti renasces a toda a hora.
Cordeiro que se encabrita e enfurece
e logo recai na branda impotência.

Canseira eterna!
Ou desespero, ou medo.
Fuga doida à posse, à dádiva.
Tanto bater de asas frementes,
tanto grito e pena perdida...

E as tréguas, amor cobarde?
Cada vez mais longe,
mais longe e apetecidas.
Ó amor, amor,
que faremos nós de ti
e tu de nós?

Irene Lisboa



Senão todos algum
algum de nós reproduziu diversos os mesmos lugares.
E aquela que entra no verso para o
percorrer
atrás da tua sombra serei eu.

Fiama Hasse Pais Brandão

Pinturas: Marc Chagall

8 comentários:

Anônimo disse...

Parabéns! Honras a arte de Chagall com uma selecção de poetas/poemas que só lhe avivam as cores que lhes aguçam os versos. Abraço!

avelaneiraflorida disse...

Amigo Papagueno,
LINDO!!! LINDO!!!! Lindissimo!!!!
Chagall...e as palavras dos poetas que sabem sentir!!!!

Brigados, Amigo!!!!!

José Lopes disse...

Uns bons 8 minutos ganhos a passar em revista poemas, alguns que nem conhecia, e pinturas de Chagall.
Hoje foi um post bem grande.
Cumps

Kalinka disse...

Olá Amigo
acabei de me cruzar contigo pelos corredores da blogoesfera.

Adoro Cecília Meireles.
Obrigado pela oferta de bela poesia juntamente com outra beleza:pintura.
Chagall no seu esplendor.

Beijitos com carinho.

wind disse...

Estou pasma!
Conjugaste o pintor com uns dos maiores poetas que existem!
Só te posso dar os parabéns pela tua tão grande sensibilidade e bom gosto:)
Beijos

Maria Romeiras disse...

Amor e poesia... Porquê duas entradas no dicionário? Lindo este teu post. Beijinho.

Anônimo disse...

Chagal é um dos meus preferidos.
Gosto tanto que hoje nem li os poemas.
Obrigado

João Roque disse...

Deve haver poucos blogs em que a conjugação das imagens de um grande artista, com as palavras de grandes vultos das letras, se pratique de uma forma tão correcta e bela, como aqui.
Não foi o primeiro post teu a dizer-me isso, foi apenas mais um a confirmá-lo; espero que haja mais do género.
Abraço.