sábado, 5 de julho de 2008

LISBOA


Daqui, desta Lisboa compassiva,
Nápoles por suíços habitada,
onde a tristeza vil e apagada
se disfarça de gente mais activa;

daqui, deste pregão de voz antiga,
deste traquejo feroz de motoreta
ou do outro de gente mais selecta
que roda a quatro a nalga e a barriga;

daqui, deste azulejo incandescente,
da soleira de vida e piaçaba,
da sacada suspensa no poente,

do ramudo tristolho que se apaga;
daqui, só paciência, amigos meus!
Peguem lá o soneto e vão com Deus.

Alexandre O'Neill


Digo:
"Lisboa"
Quando atravesso - vinda do sul - o rio
E a cidade a que chego abre-se como se do meu nome nascesse
Abre-se e ergue-se em sua extensão nocturna
Em seu longo luzir de azul e rio
Em seu corpo amontoado de colinas -
Vejo-a melhor porque a digo
Tudo se mostra melhor porque digo
Tudo mostra melhor o seu estar e a sua carência
Porque digo
Lisboa com seu nome de ser e de não-ser
Com seus meandros de espanto insónia e lata
E seu secreto rebrilhar de coisa de teatro
Seu conivente sorrir de intriga e máscara
Enquanto o largo mar a Ocidente se dilata
Lisboa oscilando como uma grande barca
Lisboa cruelmente construída ao longo da sua própria ausência
Digo o nome da cidade
- Digo para ver

Sophia de Mello Breyner Andresen


Primeira canção em Lisboa

Em Lisboa é que nascem as gaivotas.
Que pena, meu amor, o mar não ser
um copo de água pura. De água para
a sede que em Lisboa eu vi nascer.

Em Lisboa. Capital do vento sul.
Coração do meu povo. A doer tanto
que a dor se tornou cor. E é azul
como a ganga dos homens do meu canto.

Em Lisboa a gente morre sem idade.
Devagar. Como se faz uma canção.
E há um pássaro que voa. É a saudade.
E uma janela aberta. O coração.

Joaquim Pessoa


Adeus, Lisboa

Vou-me até à Outra Banda
no barquinho da carreira.
Faz que anda mas não anda;
parece de brincadeira.
Planta-se o homem no leme.
Tudo ginga, range e treme.
Bufa o vapor na caldeira.
Um menino solta um grito;
assustou-se com o apito
do barquinho da carreira.
Todo ancho, tremelica
como um boneco de corda.
Nem sei se vai ou se fica.
Só se vê que tremelica
e oscila de borda a borda.

Chapas de sol, coruscantes
como lâminas de espadas,
fendem as águas rolantes
esparrinhando flamejantes
lantejoulas nacaradas.
Sob o dourado chuveiro,
o barquinho terno e mole,
vai-se afastando, ronceiro,
na peugada do Sol.

A cada volta das pás
moendo as águas vizinhas,
nos remoinhos que faz,
nos salpicos que me traz
e me enchem de camarinhas,
há fagulhas rutilantes,
esquírolas de marcassites,
polimentos de pirites,
livagens de diamantes,

Numa hipnose coletiva,
como um friso de embruxados,
ao longe os olhos cravados
em transe de expectativa,
todos juntos, na amurada,
numa sonolência de ópio,
vemos, na tarde pasmada,
Lisboa televisada
num vasto cinemascópio.
O sol e a água conspiram
num conluio de beleza,
de elixires que se evadiram
de feiticeira represa.
Fulva, no céu incendido,
em compostura de pose,
a cidade é colorido
cenário de apoteose.
Há lencinhos agitados
nos olhos de todos nós,
engulhos de namorados,
embargamentos na voz.
Nesta quermesse do ar,
neste festival de tons,
quem se atreve a acreditar
que os homens não sejam bons?



Adeus, adeus, ribeirinha
cidade dos calafates,
rosicler de água-marinha,
pedra de muitos quilates.
Iça as velas, marinheiro,
com destino a Calecu.
Oh que ventinho rasteiro!
Que mar tão cheio e tão nu!
Ó da gávea! Põe-te alerta!
Tem tento nos areais.
Cá vou eu à descoberta
das índias Orientais.
Não tenho medo de nada,
receio de coisa nenhuma.

A vida é leve e arrendada
como esta réstea de espuma.
Toda a gente é séria e é boa!
Não existem homens maus!
Adeus, Tejo! Adeus Lisboa!
Adeus, Ribeira das Naus!
Adeus! Adeus! Adeus! Adeus!

António Gedeão

14 comentários:

João Roque disse...

Lisboa!!!
Aqui na voz dos poetas...
Mas também e sempre na voz do povo!Adoro Lisboa!
Abraço.

pin gente disse...

bonitos... não sei qual gostei mais (incluindo a canção)...
obrigada

abraço
luísa

wind disse...

Excelente post de homenagem a Lisboa!
Beijos

Ana Mandillo disse...

Lisboa, dia 9 de Dezembro de 2006-12-08

São 07h31 mn e a urbe começa a acordar; hoje, por ser feriado, ainda só se ouvem os passarinhos! Estou no sexto andar da casa da Alameda, em frente á janela de onde se avista o raiar deste dia Invernoso! Se olhar em frente, vejo o rio Tejo, o Castelo de S. Jorge que logo me faz recordar o seu longo cerco. Quão grande era na altura de D. Affonso Hanrriques, e quão pequeno, parece agora, entre construções de variadas épocas… Daqui, também posso ver, o miradouro de ST. Catarina, onde tantas vezes passei, noites quixotescas, nas minhas incursões nocturnas pela minha cidade natal! Avisto, alguns pontos verdes.E embora o dia já se anuncie, Lisboa está decorada com as suas luzes nocturnas, que mesmo quando é Verão, fazem, lembrar, o Natal!
Em relação ao espaço ocupado pelo povoamento humano, o céu prevalece, no seu esplendor, como sempre inalterável!
Hoje o dia acordou cinzento escuro com umas tonalidades mais claras e brilhantes! Algumas aves já se arriscam em voos que rasgam, sobrevoando este céu de Lisboa, indiferentes, a qualquer sentimento de tristeza ou de alegria, estado a que eu, como humana, aspiro vir a alcançar um dia, embora sinta que já sei o que é sobrevoar sem qualquer inquietude!
Senão, nem sequer saberia dizê-lo!
Devo, confessar, que esta cidade é linda!!!!!!
È feriado como já referi, e a multidão que me atordoa, ainda dorme! Ou saíu de Lisboa! Eu, como bom ser contraditório, só cá venho quando tal acontece. Pois só assim lhe posso ver o rosto, e amá-la!
Pela mesma razão, sou um bicho da noite!
O descanso de tudo o que mexe transmite-me uma paz que me enche de energia! E para dizer a verdade até a luz do dia me faz doer os olhos!
Deve ser por isso que sempre, gostei e gosto de vampiros!
Bebo, o descanso dos outros e tenho uma visão nocturna, acuta!
Daqui, o Outono, pouco se apercebe em contraposição com Colares em que todas as árvores estão, amarelas, cor de laranja, e vermelhas. E os verdes, mais verdes que nunca! Sobretudo, nos amanheceres, após as enchurradas da noite.
Tocam as oito no sino da igreja da Praça de Londres; os sinos na cidade também são bonitos!
Numa grua, além, na Penha de França, já se reflete o astro Rei! O dia parece vir a ficar limpo!
Hoje vou passear e comprar uns livros, na Livraria Barata da Avenida de Roma, da qual, eu gosto tanto, e também vou á Bertrantd, tentar comprar um livro do Michel Tournier, com o qual tenho, partilhado as minhas noites de ( insónia), ponho entre parêntesis, porque esta não é a verdade, mas sim o facto de que vivo ao contrário, das outras pessoas.
Quando era miúda queria ser taxista, para poder trabalhar á noite, depois tive filhos e a vida deixou de poder ser assim. O Sr. Kikuchi: um macrobiótico Japonês que veio a Portugal fazer uma palestra extremamente esclarecedora, declarou que uma das origens das doenças eram derivadas ao facto de as pessoas não seguirem cada uma o seu próprio ritmo!
Mas sim , o ritmo instituído, pela sociedade, e que esse factor pode desequilibrar, toda a estrutura, física, emocional, criadora, energética, porque tal como o pássaro que acorda e adormece todos os dias á mesma hora ; nós somos cada um, um pássaro e deveríramos desdobrar as asas e ir buscar comida, quando o nosso amâgo , o impelisse!

A corruja só acorda á noite!!!!!!!!!!!!!!!!!!!


Sem pretenções humildemente, uma ode á minha cidade; Lisboa!

papagueno disse...

Pinguim: A Lisboa é do povo e de todos os poetas que a cantaram.
Um abraço.

papagueno disse...

Pin Gente: Grandes, poetas, grande cidade e belíssima música. A escolha de facto não é fácil.
Muito Prazer Luísa.

papagueno disse...

Wind: Apesar de viver nessa "maravilhosa" cidade chamada Cacém, o meu coração está em Lisboa.
Beijos

papagueno disse...

Mandillo: Que mais posso dizer?
Obrigado pela partilha.
Beijos

avelaneiraflorida disse...

Amigo Papgueno,

Que emoção!!!!!
Lisboa, a minha Lisboa, aqui nestas fotos de pedaços de vida!!!!
BRIGADOS por esta partilha!!!!

Bjkas!!!

Ana Mandillo disse...

Agradecida eu...
Como disse sem pretenções, este texto apenas sai do coração de uma Lisboeta. E em nada se iguala aos grandes poemas e poetas que partilhas conosco!


beijo

Maria Romeiras disse...

Simplesmente brilhante esta colectânea... Só mesmo no Bairro do Amor!

Muito especial, Papagueno. Obrigado.

Socrates daSilva disse...

Lisboa!
Bonita homenagem áquela cidade que por mais que eu ande por esse mundo fora, é onde regresso com vontade de beijar cada esquina.
Abraço

papagueno disse...

Pois é amiga Avelaneira, é assim a nosssa Lisboa.
Beijos

Mandillo: este post só é possivel pelo grande carinho que tenho por esta cidade eu e todos os poetas que a cantaram.
Beijos

Obrigado Maria. Um beijo

Meu caro Sócrates, já somos dois.
Um abraço

Anônimo disse...

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