quinta-feira, 8 de maio de 2008

NO REBULIÇO DA CIDADE...


Tardes da minha terra, doce encanto,
Tardes duma pureza de açucenas,
Tardes de sonho, as tardes de novenas,
Tardes de Portugal, as tardes d’Anto,


Como eu vos quero e amo! Tanto! Tanto!...
Horas benditas, leves como penas,
Horas de fumo e cinza, horas serenas,
Minhas horas de dor em que eu sou santo!

Fecho as pálpebras roxas, quase pretas,
Que poisam sobre duas violetas,
Asas leves cansadas de voar...

E a minha boca tem uns beijos mudos...
E as minhas mãos, uns pálidos veludos,
Traçam gestos de sonho pelo ar...

Florbela Espanca




Quem disse à estrela o caminho
Que ela há-de seguir no céu?
A fabricar o seu ninho
Como é que a ave aprendeu?
Quem diz à planta
E ao mudo verme que tece
Sua mortalha de seda
Os fios quem lhos enreda?

Ensinou alguém à abelha
Que no prado anda a zumbir
Se à flor branca ou à vermelha
O seu mel há-de ir pedir?


Que eras tu meu ser, querida,
Teus olhos a minha vida,
Teu amor todo o meu bem...
Ai! não mo disse ninguém.
Como a abelha corre ao prado,
Como no céu gira a estrela,
Como a todo o ente o seu fado
Por instinto se revela,
Eu no teu seio divino
Vim cumprir o meu destino...
Vim, que em ti só sei viver,
Só por ti posso morrer.

Almeida Garrett


XXVI

Às vezes, em dias de luz perfeita e exacta,
Em que as coisas têm toda a realidade que podem ter,
Pergunto a mim próprio devagar
Porque sequer atribuo eu
Beleza às coisas.

Uma flor acaso tem beleza?
Tem beleza acaso um fruto?
Não: têm cor e forma
E existência apenas.
A beleza é o nome de qualquer coisa que não existe
Que eu dou às coisas em troca do agrado que me dão.
Não significa nada.
Então porque digo eu das coisas: são belas?

Sim, mesmo a mim, que vivo só de viver,
Invisíveis, vêm ter comigo as mentiras dos homens
Perante as coisas,
Perante as coisas que simplesmente existem.

Que difícil ser próprio e não ver senão o visível!

Alberto Caeiro


No meio do rebuliço da cidade, é sempre bom ter um sítio para relaxar.

7 comentários:

Zé Povinho disse...

Gostei das fotografias e também dos poemas, mas estes já os conhecia.
Já agora uma referência à música do post anterior, que eu conhecia, mas não nesta versão. è sempre bom ir ao baú das memórias.
Abraço do Zé

Nortada disse...

Só para deixar um beijito!

Ema Pires disse...

Olá amigo Papagueno,
Passei pelo blogue e gostei de ouvir Le Temps des Cerises. Sempre é um prazer passar por aqui.
Abraço

wind disse...

3 belos poemas sobre o mesmo tema:)
Beijos

Maria Faia disse...

Olá Papagueno,
Numa tarde ventosa de Maio, de sol escondido e envergonhado, bato à porta dos meus amigos, matando saudades, deixando gestos de carinho.
A forma como hoje fui recebida neste teu Bairro do Amor é das mais ternas que conheço. Com a beleza que não é mas se sente e vive, a poesia da alma sofrida mas viva e a esperança que não morre, sentimentos todos eles vertidos nas palavras poéticas de Florbela Espanca, Almeida Garrett e Alberto Caeiro, ofereces-nos um presente ímpar que, associado au "Temp des Cerises", nos deixa pairando pela beleza da vida.

Obrigado amigo.
Como sempre, foi um grande prazer esta visita.

Beijo amigo e Bom Fim de Semana.

avelaneiraflorida disse...

Amigo Papagueno,

nesta imensa correria...sabe tão bem encontrar a tranquilidade deste bairro!!!!

Brigados por esta partilha!!!!
Bjkas em velocidade!!!!

André Cazudgg disse...

(Para no perder la costumbre)En español: Pessoa... sus heterónimos , gracias por compartir su poesía y tan bellas imágenes!!

Encantador blog

Se le abraza desde un lugar muy lejano.

Muito obrigado!! (inevitable)